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Cayo Vinícius

Ceramistas Brasileiros - Cecilia Menezes


Com o intuito de divulgar a arte cerâmica brasileira e as pessoas que a fazem, o CCBRas criou a série de postagens "Ceramistas Brasileiros", que entrevista estes artistas e permite que nós, colegas e amantes da cerâmica, possamos conhecer um pouco mais sobre nossos conterrâneos.

A entrevistada desta vez é Cecilia Menezes, baiana legítima nascida em Jequié - no interior da Bahia - e que atualmente reside em Lauro de Freitas, cidade vizinha a Salvador. Durante a Contemporary Ceramic Exhibition, organizada pelo CCBRas no Centro Brasileiro Britânico em São Paulo - SP, as obras de Cecilia quase em tamanho humano conquistaram todos. Era comum ver pessoas em volta de suas bonecas, admirando os detalhes e maravilhados com tamanha harmonia.

Confira como foi o bate papo:

Como começou a sua história com a cerâmica? foi a quanto tempo?

Cecilia: Começou em 79 quando tive meu primeiro contato com o barro. Eu tinha acabado de perder uma filha e tentava superar preenchendo meus horários com algo que eu gostasse muito: a arte. Alguém na época sugeriu um curso de vitral indicando o atelier de Udo Knoff, professor de cerâmica da Escola de Belas Artes da UFBA. Seu atelier era frequentado por grandes artistas baianos como Osmundo Teixeira, Lev Smarcevski, Caribé, Santi Scaldaferri entre outros do cenário baiano. Udo colocou o primeiro pedaço de barro na minha frente e sugeriu que eu experimentasse... foi paixão ao primeiro toque.

Houve algum motivo específico que fez você se encantar com a cerâmica?

Cecilia: Sim! Nesse mesmo dia, no atelier de Udo Knoff, pude ver de perto muitos artistas trabalhando e o que eles faziam com o barro. Me encantei especialmente com os santos barrocos de Osmundo Teixeira e quis muito aprender a fazer santos como aqueles, com roupagens cheias de dobras, arrodeados de anjos gorduchos. Para minha surpresa, nesse dia eu levantei uma cabeça completa com olhos, nariz, boca e expressão. Senti, então, que eu também podia fazer e mergulhei de cabeça.

Quem foi seu primeiro professor/mestre?

O próprio Udo Knoff me deu as primeiras orientações. Udo era alemão radicado no Brasil, fugindo da Segunda Guerra Mundial. Na época, ele colecionava azulejos antigos tirado das demolições dos casarões coloniais da Bahia. Hoje temos no Pelourinho o Museu da Cerâmica Udo Knoff, o primeiro museu dedicado totalmente à cerâmica na América Latina. Eu tive a honra e a alegria de ter participado da exposição de reabertura desse museu com a obra “Paisagem” e de ter doado essa mesma obra para o seu acervo por indicação da curadora Lanussi Pascoali. Essa obra fez parte também do terceiro Salão “Arte Cidade” da EBA em 2009.

Seu trabalho é mais artístico ou utilitário?

Cecilia: É mais artístico embora eu também goste da cerâmica utilitária.

Quais são as técnicas mais adotadas por você? Há alguma preferida?

Cecilia: Hoje eu trabalho com uma técnica que eu desenvolvi ao longo dos anos. Eu faço um desenho que é minha criação e o reduzo à sua forma mais simples e básica. Essa forma é então levantada no torno. Partindo daí eu vou modelar, cortar, colar, acrescentar ou tirar conforme o desenho, construindo a minha figura. Mas, a minha preferida é modelar a partir de um bloco maciço de argila e depois de pronto ocar. Dessa maneira eu acredito que possa dar mais expressividade à figura e conseguir resultados inesperados, pois envolve aí todo um gestual ao modelar, deixando o movimento das mãos mais soltos e livres, fluindo melhor a emoção.

A concepção da obra em forma de desenho e seu resultado final

Seu processo criativo é planejado ou inusitado?

Cecilia: Eu sempre parto do desenho. Minha criação se dá primeiramente no papel, pois dessa forma eu posso planejar melhor minha produção calculando o tamanho da peça, a quantidade de barro etc... Como eu não levanto peças no torno, tenho que ter um projeto nas mãos para que meu oleiro possa levantar as minhas bases onde vou trabalhar posteriormente. Mas as soluções sempre acontecem enquanto eu trabalho a figura, podendo ser modificada de acordo com as dificuldades que eu encontro durante o fazer e/ou também os movimentos que faço durante o processo de construção e montagem da peça, que podem me sugerir um outro caminho que não estava planejado originalmente no desenho, daí então surge algo inusitado. As possibilidades são amplas e eu me coloco em aberto para captar os diversos caminhos que intuitivamente possam aparecer durante o processo.

Você se inspira em outros artistas/movimento?

Cecilia: A princípio eu tenho um pé no barroco como toda baiana que se preze, eu acho…

Porém me inspiro muito na cultura popular da terra, nas minhas raízes (Europa, África e Índio), nas minhas experiências e lembranças ao longo de minha caminhada. Gosto do movimento modernista e de alguns expressionistas, do minimalismo... A Idade Média é uma paixão e os Renascentistas me impressionam. Adoro Matisse e Paul Gauguin. Ah, e Caribé também!

Como você descreveria seu trabalho?

Cecilia: Eu sou uma artista autodidata e essencialmente figurativa, desde sempre.

Através da escultura, usando o barro como matéria prima, desenvolvo figuras que contam histórias por elas mesmas pois mostram através das vestimentas e posturas a que vieram. Atualmente busco refletir sobre a influência das minhas origens e lembranças no meu trabalho e como isso repercutiu no meu fazer. Entendo hoje que meu trabalho segue uma orientação da arte Brasileira com conotações bem regionais pois acredito que somos influenciados pela cultura do lugar em que nascemos e onde colhemos o barro onde estão inseridas as manifestações, além da energia desse local que ao tocarmos nos transmite e nos comunica nossa história. Entendo que devemos buscar nossa essência.

Para você qual a etapa mais desafiadora de seu processo de criação?

Cecilia: Eu trabalho com um oleiro que levanta minhas peças no torno. Essas peças são de minha criação. Com certeza essa é a parte mais desafiadora do meu processo criativo, porque ele vai levantar no torno as bases de minhas peças com os seus próprios movimentos. Definir as proporções às vezes fica difícil. Tenho que estar aberta ao que vier e saber interferir para fazer o que eu quero e como eu quero.

Você possui alguma rotina ou gosta de criar quando possui tempo livre?

Cecilia: Eu tenho uma rotina no atelier de estar todos os dias trabalhando. Isso contribui para fazer fluir o meu processo de criação pois quanto mais eu me exercito, mais idéias vão brotar. Os insights vêm quando menos se espera…

Algum trabalho particularmente especial que vc gostaria de compartilhar conosco?

Cecilia: A “Boneca Gaiola” é um dos meus xodós. Ela foi inspirada nas “crinolinas” que são as anáguas de arame usadas entre 1852 a 1870. Eram feitas de arame e crina de cavalo e foram criadas para inibir as transparências, criar volumes e tornar as roupas mais leves.

As “Senhoras da Graça” inspiradas nas benzedeiras e curandeiras que têm a graça da cura e da reza forte e são personagens da minha infância com as quais convivi .

As “Meninas de Branco” inspiradas nas brincadeiras infantis de antigamente e por fim as “Baianinhas” quando fiz uma instalação de 150 peças com 30cm de altura, todas com roupagem e torços diferentes uma da outra. Elas todas juntas ganham uma força e nos remete à Bahia em festa.

Você acha que a cerâmica brasileira já possui um destaque merecido ou ainda há um longo caminho a percorrer?

Cecilia: Acho que já melhorou bastante haja visto o reconhecimento de tantos artistas populares que têm uma grande visibilidade principalmente no cenário internacional. Nós andamos a passos estreitos ainda, mas estamos caminhando… Hoje já temos a cerâmica nas universidades como matéria importante nas artes contemporâneas. Ainda temos muitas dificuldades pela incompreensão e também pela pouca tradição de considerar a cerâmica como arte contemporânea. Porem é fato que já temos qualidade e diversidade que, juntas, fazem com que nossa arte seja reconhecida.

Fazer com que o público conheça os trabalhos dos ceramistas que fazem a história da cerâmica brasileira, apresentando o que se faz aqui é sem dúvida um caminho importante, como fez a CCBras na última exposição em São Paulo .


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