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Cayo Vinícius

Ceramistas Brasileiros - Benedikt Wiertz


Embora a série "Ceramistas Brasileiros" seja, como diz o nome, dedicada aos artistas de nosso país, faremos uma 'semi-exceção' para Benedikt Wiertz, alemão que mora no Brasil há 23 anos e que vem trazendo uma nova perspectiva para a nossa cerâmica.

Benedikt Weirtz

Benedikt Wiertz é natural de Bonn (1955), Alemanha. Artista plástico, ceramista, e professor. Possui ateliê na região da Serra da Moeda, no município de Brumadinho, MG. Suas atividades englobam o ensino, a produção e a pesquisa no âmbito das artes visuais. Desenvolve experimentações em cerâmica a partir da forma, texturas e esmaltes, desconstruindo o paradigma da funcionalidade, bem como inserindo o material cerâmico com outras linguagens artísticas em performances e instalações.

Iniciou formação autodidata em artes na Alemanha em 1979. De 1981 a 1995 reside na Espanha trabalhando nos ateliês de ceramistas em Pamplona, Vitoria e Bilbao. Em 1983 funda seu próprio ateliê em Lakabe, Espanha, e participa de vários cursos e encontros nacionais e internacionais.

A partir de 1995 reside em Belo Horizonte, Brasil, onde continua sua produção artística. Atua como professor de cerâmica na Escola Guignard – Universidade do Estado de Minas Gerais entre os anos de 1998 a 2015. Foi Diretor da Escola Guignard de 2008 a 2012. Em 2014 foi professor visitante na Akademie der Bildendenkünste, Munique, Alemanha.

Confira nossa conversa:

Como começou a sua história com a cerâmica? Foi há quanto tempo?

Não é fácil de definir um só fato que explica a escolha de viver com e pela cerâmica. Mas lembro de dois fatos na minha infância que acredito ter importância nessa escolha.

Nasci em Sinzig, uma pequena cidade que fica na beira do rio Reno, um dos mais importantes da Alemanha, perto de Bona. Morava perto do rio e havia uma faixa de campo fértil entre a cidade e a beira do rio onde todo outono, quando os agricultores passavam com os tratores para preparar os campos para as próximas colheitas, apareciam cacos de cerâmica de terra sigilata da época dos romanos. Tratava-se de restos de uma importante fábrica do século 200 DC. Era nossa grande diversão passar depois dos tratores pelos campos e desenterrar essas relíquias e depois passar horas a encaixar e limpar os cacos, e ver se tinham alguns que eram da mesma peça, para remontar parte das vasilhas que às vezes apresentavam belos desenhos e imagens.

Outra lembrança é que a 30 km da nossa cidade tinha um importante Centro de Cerâmica, Höhr-Grenzhausen, onde além de muitas fábricas e estúdios de cerâmica tinha um importante museu de cerâmica que visitava frequentemente; ainda lembro da grande atração que os artefatos expostos exerciam sobre mim.

Houve algum motivo específico que fez você se encantar com a arte cerâmica?

Sempre senti muita atração pelo barro e pelo fogo, pela pesquisa e pelos processos de memória e transformação que acompanham o ato da elaboração dos objetos em cerâmica.

Tal pesquisa, entre outros, investe na busca da “forma natural” que é o resultado da estrutura interna da argila, explorando as possibilidades da estética do material e como empregá-lo, além de sua funcionalidade cotidiana, e compreende argila como um material que aparece, se forma e transforma, através do tempo e do espaço.

Igualmente sinto uma grande atração pelo trabalho e pelo espaço que compreendem um estudo de criação de arte. Gosto da complexidade e dos múltiplos processos que envolvem tanto a elaboração como a queima dos objetos em cerâmica. A paleta de diferentes campos que envolvem a produção em cerâmica é enorme e a quantidade de materiais também. Argilas massas, engobes, minerais, óxidos, pigmentos, todo tipo de matéria prima para esmaltes, cinzas, ferramentas, fornos, balanças, queimadores, peneiras, pincéis... a lista é interminável. Organizar e buscar soluções para as questões que aparecem no dia-a-dia na produção e na criação do ateliê são para mim um grande estímulo e me satisfaz intensamente.

Quem foi seu primeiro professor/mestre?

Além da Irene (não lembro o sobrenome), primeira ceramista que me ensinou a técnica do torno e as queimas num pequeno forno elétrico por volta de 1979 na Alemanha, lembro do impacto que teve sobre mim o encontro com Seungho Yang em 1989, ceramista coreano que vivia e trabalhava na época em La Borne na França. Participei com ele numa queima de um forno a lenha tipo Anagama (Dragon Kiln) e ficamos quatro dias queimando dia e noite. Foi o jeito de total entrega e sinergia que senti que tinha entre ele e o processo da queima daquele forno enorme, a força e intensidade do “grand feu” que me fez compreender e apaixonar por este fenômeno da transformação. Compreendi nesse encontro a importância e força desse elemento tão importante para o desenvolvimento da cerâmica e da história cultural da humanidade.

Seu trabalho é mais artístico ou utilitário?

Faço as duas coisas no meu ateliê, são duas formas de trabalho e de produção bem diferentes e que precisam de estratégias distintas para funcionar bem. Tenho o mesmo prazer e empenho na criação das peças independente do enquadramento como peça "artística" ou "utilitária". Em diversos dos meus trabalhos e projetos, ambas áreas se juntam, sobrepõem e se nutrem uma da outra.

Além disso tenho realizado performances, em parceria com outros artistas, nas quais trabalho com argila crua como na exposição “Cru e Transitório” no SESC Palladium em Belo Horizonte em 2016 ou a performance “Avesso” que realizei entre outros lugares no SESC Bom Retiro em São Paulo também em 2016.

Quais são as técnicas mais adotadas por você? Há alguma preferida?

Para o processo de formação das peças, desde sempre utilizo e me sinto muito a vontade com o torno. Acho uma máquina e uma invenção incrível, uma das máquinas que mais se assemelha a um instrumento musical que já foi inventada. Utilizo o torno tanto para a cerâmica utilitária como para objetos esculturais e igualmente uso o torno em várias performances. Outras vezes, dependendo do trabalho que estou desenvolvendo, utilizo outras técnicas como placas, formar peças com rolos ou a técnica do pinching, depende muito do resultado que estou buscando.

Para a queima utilizo um forno a gás, queimando até o cone 10 ou 11, ou seja, ao redor de 1300° C. Às vezes uso a técnica do raku ou queimo em parceria com outros ceramistas da região em forno a lenha de origem japonesa, Anagama e Noborigama.

Seu processo criativo é planejado ou inusitado?

Em geral planejo cada vez que começo um novo projeto, normalmente faço uma série de desenhos para começar e desenvolver novas ideias. Depois penso nos tipos, cor e textura das massas e argilas que quero utilizar e às vezes faço uma série de provas com esmaltes e engobes antes de começar propriamente com a escultura ou o objeto.

Outras vezes os novos projetos saem do próprio fazer, ou seja, durante a execução de um projeto surgem novos projetos e ideias. Gosto muito do conceito de formatividade de Luigi Pareyson que diz ”a arte é um fazer que, no ato de fazer, inventa o por fazer e o modo de fazer. A arte é uma atividade na qual execução e invenção procedem pari passu, simultâneas e inseparáveis.”

Você se inspira em outros artistas / movimentos?

Sempre gostei muito de ver exposições, museus, visitar ateliês de outros artistas/ceramistas e ir a apresentações de dança e música. Acredito que tudo isso tem influência no desenvolver da própria poética e do próprio fazer. Para mim, a música, o movimento e o ritmo sempre foram muito importantes para pensar cerâmica.

No começo estava muito influenciado pela estética da arte e cerâmica oriental, sobre tudo a japonesa, coreana e chinesa. Adorei o livro “Manual do Ceramista” do Bernard Leach, quem introduziu a estética e filosofia da cerâmica oriental na Europa do século 20. Depois descobri os grandes ceramistas que tinham surgido nos Estados Unidos como Peter Vouklos, Paul Soldner e Jun Kaneko ou Gordon Baldwin na Europa e que deram um grande passo de liberar a cerâmica das dimensões do utilitário e buscaram novos caminhos em direção a escultura e movimentos artísticos da época. Depois, nos 15 anos que morei na Espanha, descobri, além da imensa riqueza em cerâmicas com influência árabe, os trabalhos que Eduardo Chillida, Miró, Picasso e mais recente Miquel Barcelo tinham desenvolvido ao longo do tempo e que me influenciou muito na época.

Enfim, a lista de artistas que acho importantes e que para mim tem muito a ver com o fazer artístico e a cerâmica é longa e para mencionar mais alguns: Anish Kapoor, Lucio Fontana, Tony Cragg, Joseph Beuys e meus amigos Norbert Prangenberg e Angel Garazza.

Como você descreveria as questões intrínsecas do seu trabalho?

O que me interessa no trabalho é a relação entre as forças originais da argila e a cerâmica no sentido da transmissão destas forças para o objeto e as reflexões sobre memória e transformação que isso implica.

Os materiais de tempos imemoriais, que formam e sedimentam a argila, emergem nos objetos de cerâmica a partir da evocação do olhar e do sentir, da sedimentação/transformação da memória na cultura e no fazer. E a memória só existe se permanece o seu elo afetivo com o objeto. Esse elo se transforma com o tempo. Como se transformam, mudam e evoluem as culturas. Assim como as mãos que transformam a argila também se transformam, através do tato, do contato, do tornear, do tornar novo o arcaico sedimento argiloso em cerâmica.

Sinto, ao fazer um objeto de cerâmica, que ele traz em si as memórias e as transformações do tempo e das culturas, advindas das infinitas possibilidades da matéria argila e da etérea materialidade do fogo.

Para você, qual a etapa mais desafiadora de seu processo de criação?

Acho que o grande desafio no dia a dia do ateliê é buscar novos caminhos e respostas, permitir-se o erro e aprimorar o que já está conquistado.

Você possui alguma rotina ou gosta de criar quando possui tempo livre?

Em 2015 deixei de lecionar na Universidade e construí um novo ateliê na Serra da Moeda a 50km de Belo Horizonte. Atualmente passo a maior parte do meu tempo no ateliê e me dedico a produção, pesquisa e leitura.

Algum trabalho particularmente especial que você gostaria de compartilhar conosco?

Nesse momento estou trabalhando numa nova série que chamo de “transformed vessels”. São objetos de grandes formatos construídos a partir de elementos torneados, montados e depois deformados. Amasso elas de dentro para fora para alterar o seu espaço interior e por consequência alteram a forma exterior. Depois aplico engobes produzidos a partir de argilas que estou extraindo do terreno onde construí meu ateliê. Objetos tridimensionais que criam uma superfície acidentada para receber uma pintura que aplico com pincéis ou jogando à diretamente no objeto.

Você acha que a cerâmica brasileira já possui um destaque merecido ou ainda há um longo caminho a percorrer?

Me lembro, ainda morando na Alemanha, quando vi a primeira vez o trabalho do Francisco Brennand em uma revista de cerâmica e fiquei impressionado com a poderosa magia desse trabalho.

Quando cheguei no Brasil fui descobrindo pouco a pouco a riqueza e a diversidade da cerâmica indígena e popular e me encontrei com ceramistas e ateliês com uma produção extraordinária e inovadora. Mas também percebi a falta de apoio por parte das políticas culturais e a ausência de circuitos e possibilidades para expor e fazer circular os trabalhos além de poucas iniciativas dos artistas para se organizar e promover tanto a própria produção como a organização de seminários e encontros para estimular a pesquisa e inovação.

Assim, acho que o caminho ainda é longo mas ao mesmo tempo percebo nos últimos tempos um interesse crescente na cerâmica, cada vez tem mais jovens ceramistas com uma produção interessante e inovadora e ao mesmo tempo se nota um interesse maior no emprego da cerâmica dentro da produção da arte contemporânea.

Contatos de seu ateliê:

Benedikt Wiertz

bene.wiertz@gmail.com

Instagram: @benediktwiertz | @ateliexakra88

Fone: +55 (31) 9.9313-6255


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